Together: O Oceano Profundo

segunda-feira, 23 de abril de 2018


Olá, calopsitas tão queridas do meu coração! Como vão? Bem, dessa vez tentei voltar mais cedo, até porque esse post já está pronto há umas boas semanas. Trata-se de mais uma blogagem coletiva do nosso projeto salvador de mentes desinspiradas da blogosfera, o Together, e dessa vez eu resolvi caprichar bastante porque o tema em si era maravilhoso e aquele tipo de coisa que eu amo. Explico-lhes: nós teríamos que escolher um conjunto de três palavras, dentre 20 grupos que Shana selecionou, e escrever um texto que contivesse essas três palavras nele. Não foi difícil, contudo, devo pedir desculpas. Essa história ficou bem mais triste, depressiva e conceitual do que eu pretendia, mas eu juro que não sou adepta do sereismo. Bem, pelo menos posso dizer adiantadamente que ela tem um final feliz. A verdade é que eu vi essas três palavras e comecei a escrever, e então o texto simplesmente foi fluindo, como as águas do oceano onde a protagonista tanto anseia adentrar.


Quem avisa, amigo é: o texto abaixo pode conter menções de suicídio e intenções suicidas. Também há menção de afogamento.

Palavras: Salto - Água - Ressurreição
Trilha sonora, para ouvir junto ♥

O Oceano Profundo

— Quem é você?

Eu abri os olhos. De novo. Esse sonho estranho de novo. Ele sempre terminava na mesma parte, embora não fosse desesperador nem nada. Era quase como se eu quisesse... Ficar ali, para sempre. Naquela escuridão flutuante e imensa, ainda assim inesperadamente acolhedora. Como se fosse meu lugar, o único onde eu realmente pertencesse. Mas então, a voz. Uma voz não humana, suave, retumbante, profunda... Profunda como um oceano. Como se me puxasse mais e mais, e então ecoasse em minha cabeça, com uma única pergunta que eu nunca soube responder, e com isso eu acordava de um salto.

Era inquietante, não porque o sonho em si fosse tão perturbador, mas porque eu gostaria de saber que lugar era aquele. E por que aquilo me atraía tanto. E por que comecei a ter esse sonho, repetidamente, todos os dias, desde... Bem, desde quando quase me afoguei no mar há um mês.

Eu sempre fora atraída pelo oceano. Era quase como se alguma coisa lá realmente me chamasse, como se a água estivesse disposta a me engolir por completo e então me mostrar todas as suas belezas e segredos e ameaças. Como se tivesse me escolhido, independente da minha vontade, e seu magnetismo fosse forte demais para lutar contra. Então era mais fácil me deixar levar. Entrar no mar e deixá-lo me açoitar com suas ondas, me tragar, me arrastar para mais e mais fundo, mais e mais para dentro de si.

Contudo, eu sempre me segurava. Alguma coisa dentro de mim me freava, me impedia de ir tão a fundo e então eu voltava, encharcada e vazia, para a areia e para a terra firme. Talvez a terra fosse firme demais para mim. Talvez eu não quisesse sentir a firmeza tão certeira e imponente e imutável da terra. Talvez eu só quisesse que a leveza da água se mesclasse à fraqueza de meu ser.

Eu gostava do mar porque ele não era fraco, mas ao mesmo tempo não se mostrava tão arrogante quanto a terra, que se achava no direito de tentar acolher a todas as pessoas e coisas do mundo. Como se ela fosse a parte mais necessária desse mundo. Oras, se eu pudesse, viveria no mar, como todas aquelas criaturas das quais o ser humano sente um pouco de medo por não compreender.

Mas alguma coisa mudou naquele dia. Eu estava disposta a deixar o oceano me levar, como de costume. Eu sabia que, em dado momento, me refrearia e voltaria à terra obedientemente, como o bom ser humano que sou. Só que isso não aconteceu naquele dia. A água continuou a me puxar, e puxar, e puxar, e, quando percebi, lá estava eu, mais longe do que nunca tinha ido e, aparentemente, mais fundo também. Por alguns instantes, estava feliz. Lá estava eu, dentro daquela imensidão, finalmente tão longe da terra quanto sempre quis e tão imersa no oceano quanto sempre sonhei. Mas o momento não durou muito. Meus olhos começaram a fechar, meus músculos começaram a falhar e, embora eu estivesse em paz, meu corpo não estava, e logo desmaiei.

Depois disso, eu acordei. Por alguns instantes, não sabia se estava viva ou morta. Não sabia onde estava, ou o que tinha acontecido, mas qual não foi a minha decepção ao perceber que eu estava em terra firme. De novo. Alguém tinha me salvado, e muitos alguéns olhavam esbugalhados para mim como se eu fosse um peixe fora d'água - o que eu provavelmente era. Morrendo aos poucos, sem poder respirar nessa atmosfera insuportável de pessoas que com certeza se importavam mais em aparecer na notícia do que com a vida daquela pessoa que estava estirada na areia e nem sequer tinha pedido para ser resgatada em primeiro lugar.

Não me lembro ao certo de como consegui voltar para casa naquele dia. Só sei que não saí mais. Não valia a pena. Por que me dar ao trabalho? A única coisa que mantinha a minha centelha de vida acesa era esse sonho intrigante. Quem é você, perguntava o oceano. Devia ser por isso que ele não me quis. Eu não sou ninguém. Eu sou o mesmo que um grão de areia que fica depositado lá nas suas profundezas. Talvez até menos do que isso. Por que ele se daria ao trabalho de me absorver, se eu nada tenho a oferecer?

Mas... Ele estava me chamando. Tentando me mostrar alguma coisa. Se não, por que aparecer para mim todas as noites e me manter viva? Mas eu não tinha a resposta. Talvez eu devesse voltar. Talvez, voltando para a água, ela me esclarecesse. Talvez eu devesse tentar só mais uma vez.

Saí de casa, naquele dia, finalmente determinada a alguma coisa. Meus pés pisavam na terra firme como se quisessem mostrar que podem ser mais firmes que ela. Como se quisessem dizer para a terra se recolher à sua insignificância, porque existiam coisas muito mais importantes e fortes do que ela (quais coisas eram essas, eu não sabia ao certo). Era tarde, estava anoitecendo e o clima não estava bom para entrar no mar; na verdade, não tinha ninguém na praia. Eu duvido até que fosse permitido entrar no mar num dia como aquele. Estava chovendo e ventando muito, mas não trovoando. As ondas estavam arrebatadoramente grandes e eu me senti sendo recebida com imensos braços abertos verdes escuros e com cabelos brancos.

A água estava extremamente gelada, mas eu não me importava. Eu estava gelada também, e não queria calor. Eu mergulhei e nadei, através das ondas, e nadei, e nadei. Quando me cansava, boiava e esperava uma nova onda me empurrar e depois me tragar para mais e mais longe da praia, e para mais perto do alto mar. Eu não me lembro quanto tempo se passou, ou o que estava realmente acontecendo, mas, em determinado momento, eu estava tão longe que mal conseguia ver a cidade, a quilômetros de distância. Eu sabia que estava longe demais para voltar àquela altura. Eu sabia que meu único companheiro agora era o oceano. Então, eu lhe perguntei:

— Quem sou eu?

E esperei. Esperei e esperei, mas ele não me respondeu. Então, fiquei em silêncio e observei o céu acima de mim. As nuvens começaram a se dissipar e dar lugar às estrelas e, quando o céu ficou completamente livre de nuvens e estrelado, eu me senti a pessoa mais viva do universo. Aquele céu era tão grandioso e estava tão inexplicavelmente perto, que eu não sabia se estava na água ou simplesmente flutuando no espaço, como se a gravidade não existisse e eu pudesse estar num lugar paralelo à realidade, como se aquele fosse o lugar de onde eu viera e para onde eu deveria ir no final de tudo. Como se eu fosse simplesmente uma partícula de ar e como se eu fosse extremamente necessária, assim como absolutamente todas as outras coisas existentes. Senti um equilíbrio imenso, senti que finalmente todas as coisas encaixavam em seu devido lugar, com a mesma certeza de que um mais um é igual a dois. Senti meu coração pulsar e meu pulmão expandir, senti todos os meus músculos de uma vez, senti todas as coisas que não sentia há anos e anos, todas as sensações passaram como um furacão pelo meu corpo e então eu finalmente percebi. Era a minha ressurreição. Respirei o mais fundo que consegui e me deixei mergulhar no oceano. Ali era exatamente como em meu sonho. E, finalmente, escutei a voz, embora ela tenha dito algo diferente dessa vez:

— Você descobriu, não é?

— Sim. — Eu sabia que o oceano podia me ouvir, mesmo que eu estivesse falando apenas dentro da minha cabeça. — Eu sou exatamente o que eu deveria ser. Obrigada por me mostrar, oceano. — O mar não disse mais nada, mas eu sabia que ele tinha compreendido. E eu também. Voltei para a superfície e, estranhamente, estava muito mais perto da terra firme do que antes. Agradeci ao oceano, silenciosamente, de novo, e nadei até a margem. Agradeci à terra firme, também, e pedi desculpas. Eu teria que me reconciliar com o mundo agora, é verdade, mas o primeiro passo eu já conseguira: descobrir quem eu era e me reconciliar comigo mesma.



Esta postagem faz parte da Blogagem Coletiva de abril do Together, um projeto para unir a blogosfera! 





4 comentários:

  1. caralho que pesado
    eu to muito apaixonada

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  2. Foi tudo tão profundo que me senti meio sem fôlego enquanto lia, sério. Adorei a forma puramente literária e poética que você utilizou para abordar o suicídio, a depressão e também o que me pareceu uma profunda crise existencial e busca por auto-conhecimento (deixando bem claro que não tô dizendo que você ROMANTIZOU alguma dessas coisas, ok? dksjdsk). Eu tô amando muito essa história, socorro <3

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  3. Ola Helo <3
    Pena que não participei desse post do Together :( todas ficaram ótimas.
    Te indiquei para uma Tag la no blog, clica aqui para ver: Emy-lee Cosplay

    Beijos!

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